Rondônia

TRISTE: 'Tive de diminuir oxigênio e acalmar desespero', diz enfermeiro do AM

Profissionais de saúde relatam rotina dramática de atendimento. Com estado sem recursos, terão de fazer plantões de graça.
Publicado 16/01/2021

"Nunca vivi nada parecido com isso." O gerente de enfermagem das unidades de urgência e emergência de Manaus, no Amazonas, Hadã Lima, de 32 anos, descreveu a tragédia enfrentada pela equipe de enfermagem do Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto e o desespero dos pacientes infectados pelo novo coronavírus com a falta de oxigênio.

O enfermeiro trabalhou das 6h às 00h30 na caótica quinta-feira (14) e afirma que o momento mais crítico da noite foi quando os pacientes aumentaram o nível de oxigênio, desesperados pela ameaça de desabastecimento que atingia outros centros médicos do estado.

"Tentamos conversar com os pacientes para que eles não se desesperassem ao saber que estavam com pouco gás", disse. "Mas a equipe estava totalmente fragilizada, respirava fundo e saía das salas para conseguir se acalmar."

O enfermeiro intensivista, que trabalha na parte administrativa da Associação Segeam (Sustentabilidade, Empreendedorismo e Gestão em Saúde do Amazonas), instituição que presta serviço ao governo do Amazonas, afirmou que a equipe do Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto teve de fazer um mapeamento dos pacientes que estavam em estado mais crítico.

“É a maior unidade que atende pessoas em estado grave e moderado com covid-19. Na noite de quinta, cargos não fizeram diferença, todos tiveram de ir para a linha de frente para salvar vidas”, disse ele, que participava de uma reunião de gerenciamento de crise quando atendeu à reportagem.

Durante o dia, segundo ele, o hospital foi abastecido com o insumo duas vezes, de manhã e a noite, “em quantidades pequenas”. De acordo com Lima, médicos e enfermeiros se reuniram para decidir como seria realizado o racionamento de oxigênio. “O processo foi feito com o governo do Estado, a Organização Pan-Americana da Saúde e o Hospital Sírio Libanês”, disse. “Decidimos reduzir o uso do gás de uma forma racional até o próximo abastecimento. Todos ficamos à beira dos leitos fiscalizando os pacientes para que não houvesse nenhuma consequência. Sabíamos que todos ali dependiam de nós, a equipe de saúde.”

Naquele momento, conta Lima, os enfermeiros começaram a diminuir lentamente as válvulas. “O oxímetro oscilava entre 92 e 88. Consegui acalmar alguns, mas outros não”, diz. Um dos instantes mais dramáticos foi quando Lima voltou à ala de internados e os pacientes tentavam regular seus próprios oxigênios. “Você precisa do ar. Todo mundo entrou em desespero”, disse. A tragédia também teve impactos sobre a equipe que atuava com Hadã. “Fomos treinados para salvar vidas e nos colocamos no lugar das famílias que estão perdendo parentes. Ver os profissionais cansados, chorosos e desestimulados foi terrível.”

O desespero das pessoas internadas foi ainda maior, segundo o enfermeiro, porque os pacientes estavam com os celulares durante a internação. “Eles começaram a ver as notícias sobre o desabastecimento e ficaram ainda piores. Isso aumentou nossa necessidade de acalmá-los”, disse. “Não conseguia pensar em nada a não ser resolver o problema. Foi tão pesado que evitamos ficar procurando culpados. Não houve tempo para entender o que estávamos sentindo.” Lima disse ainda que a média de mortes na quinta-feira foi de cinco óbitos por turno. “Não aguentava mais colocar as pessoas em sacos e são pessoas de todas as idades. As equipes precisavam parar para respirar diante do sentimento de impotência."

Lima afirma que a crise de desabastecimento de oxigênio em Manaus deixa aos enfermeiros e demais profissionais da saúde o sentimento de empatia. “Deixei o hospital a 1h da manhã e voltei para a minha casa, mas saí pensando que eles continuaram enfrentando a mesma situação. Pensar no que fazer para salvar essas vidas é desesperador.”

Na manhã da sexta-feira, após o anúncio de uma força tarefa envolvendo o governo estadual e federal, o hospital foi reabastecido. “O clima é de um pouco mais de tranquilidade. Conseguimos manter os pacientes estáveis, agora não temos o que mais diminuir."

Apesar dos esforços das equipes que atuaram nos hospitais, a enfermeira e presidente da Segeam, afirma que ninguém está preparado para enfrentar uma crise como a instaurada em Manaus. "Existe um time muito forte de pessoas trabalhando para conter esse inimigo invisível. Mas é um cenário de guerra que ninguém imaginava", disse. "Quinta foi o dia mais difícil até aqui, até porque não consigo imaginar uma ocasião pior." Karina, assim como Lima, afirma que a sensação que prevaleceu entre os profissionais de saúde foi a de impotência: “não conseguir impedir que o outro se vá.”

Diante da explosão de casos de covid-19 no Estado, Karina afirma que tem despertado às 6h com ligações de moradores de diferentes bairros de Manaus lamentando a morte de familiares. “Tenho ouvido pessoas enterrando pai e mãe ao mesmo tempo. Nessa crise, não existe quem tem mais poder ou status. Nesse momento está tudo mundo nivelado pelas oportunidades de atendimento.”

Segundo ela, há um esforço para dar suporte e apoio aos cerca de mil profissionais da saúde que compõem associação, mas o elevado número de casos de covid-19 aumenta o fluxo de trabalho. “Fizemos a doação de mil plantões de 12 horas, 500 plantões em janeiro e mais 500 em fevereiro. Cada profissional vai dar um plantão extra e o Estado não vai pagar porque não tem como pagar por isso”, diz. “Ainda assim tenho muita esperança e sinto que os enfermeiros também têm, apesar de estarem apavorados. Estão fazendo o que podem.”

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