Rondônia

Cipó-alho da Amazônia reforça sistema imunológico de alevinos de pirarucus

O cipó-alho tem alicina, composto que induz ao aumento no consumo de ração, e melhora o desempenho zootécnico dos peixes e o sistema imunológico.
Publicado 27/06/2020

Uma planta medicinal típica da Amazônia, que exala cheiro de alho, apresentou resultados positivos na engorda, crescimento e resistência imunológica de alevinos de pirarucus (Arapaimas gigas) durante testes feitos em laboratório. A equipe da Embrapa Amapá constatou que o extrato das folhas do cipó-alho (Mansoa alliacea), borrifado na ração comercial destinada ao peixe carnívoro, melhorou o desempenho de crescimento e a sanidade dos animais alimentados no experimento e aumentou o seu peso em cerca de 19%. A resistência a infecções por bactérias de ocorrência frequente na piscicultura também mostrou-se maior.  

Os alevinos adquiridos de uma piscicultura comercial foram alimentados com o composto experimental durante um mês, quatro vezes ao dia, com dieta contendo 0,4; 8,0 e 12,0 gramas de extrato de cipó-alho para cada quilo de ração. Os melhores resultados foram observados na engorda dos peixes alimentados com a dieta contendo  8,0 gramas de extrato da planta para cada quilo de ração. Houve aumento no peso final, ganho de peso diário, taxa de crescimento específico, eficiência alimentar, níveis plasmáticos de glicose, triglicerídeos, proteínas totais e globulinas, mas uma redução nos níveis plasmáticos de albumina no sangue dos peixes. Com o uso de extrato de cipó-alho na ração, houve também uma maior resistência imunológica do peixe à infecção por bactérias Aeromonas hydrophila e a condições de estresse de manejo.


19% de aumento de peso
“Observamos um aumento do peso dos alevinos em torno de 19%.  Peixe mais gordo é interessante para o piscicultor, que lucra mais. O cipó-alho na ração melhorou a resistência imunológica dos alevinos a bactérias que são frequentes em pirarucus em pisciculturas. Geralmente, os alevinos sofrem com infecções causadas por bactérias e estresse de manejo, porque é frequente o manuseio dos peixes nas criações”, explica o pesquisador da Embrapa Marcos Tavares Dias, responsável pelos estudos conduzidos em conformidade com os princípios da Sociedade Brasileira da Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL) e aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal do Acre (Ufac). 

A ideia desse experimento inédito surgiu quando a equipe da Embrapa Amapá se debruçava em pesquisas de laboratório para testar imunoestimulantes, visando à melhoria do crescimento de alevinos de pirarucu e, ao mesmo tempo, ao aumento da resistência imunológica dos peixes. 

“Estávamos usando imunoestimulantes comerciais e tivemos a ideia de usar um produto regional amazônico e antes havíamos trabalhado com alho usado como tempero na cozinha nos estudos com tambaqui.  Assim, acabamos incluindo o extrato do cipó-alho na ração dos alevinos de pirarucu”, recorda Tavares. 

Perspectivas

A professora Márcia Kelly Reis Dias participou como bolsista da pesquisa para desenvolver sua tese de doutorado em Biodiversidade Tropical, pela Universidade Federal do Amapá (Unifap). Ela é otimista quanto ao uso desse insumo para alevinos de pirarucu. “As perspectivas são as melhores, por ser uma planta de fácil aquisição, passível de ser encontrada até mesmo na beira de estradas e fazendas. Sem falar que o extrato é produzido à base de álcool, que também não é um produto caro.”

Reis destaca ainda que diversos estudos demonstram a importância do alho no sistema imunológico de peixes em cultivo. “Nosso trabalho comprovou que o cipó-alho, que também tem alicina no seu composto, melhora o desempenho zootécnico dos peixes, o crescimento e o sistema imunológico, deixando-os mais resistentes a doenças. São vários pontos positivos que os produtores podem levar em consideração para começar a colocar em prática o uso desse extrato à base do cipó-alho.” A alicina é um composto do cipó-alho que induz ao aumento no consumo de ração.

Imunoestimulantes

O uso de produtos imunoestimulantes como o cipó-alho, na dieta de peixes cultivados, para melhorar o desempenho zootécnico e a saúde dos animais, tem sido estudado nos últimos 30 anos. Ao mesmo tempo, a indústria da aquicultura investe em novos produtos para ganho de crescimento e imunidade de peixes, visando reduzir os níveis de infecções causadas por parasitos e outros patógenos e, assim, garantir o incremento da produção e produtividade na piscicultura. 

A recomendação de imunoestimulantes ocorre devido aos benefícios verificados, como estabelecimento da microbiota intestinal, aumento da taxa de crescimento, redução do estresse, melhoria da saúde dos peixes e redução de doenças parasitárias e infeciosas, conforme constatou a professora Márcia Reis, durante sua pesquisa de doutorado. 

As espécies de Aeromonas são o grupo de bactérias que mais tem causado problemas no cultivo intensivo de peixes, levando a elevadas taxas de mortalidade em diferentes espécies de produção intensiva. 

Entre as bactérias, a Aeromonas hydrophila é frequente e causadora de vários danos aos peixes infectados. A Embrapa Amapá vem estudando os antibióticos com capacidade para tratar essas bactérias em pirarucus. “Os imunoestimulantes podem auxiliar na redução desses processos infecciosos que causam prejuízos no cultivo de pirarucus, reduzindo a mortalidade e melhorando os parâmetros de crescimento dos animais na piscicultura”, pontua a professora. Ela considera que essa inovação tecnológica pode contribuir para resolver alguns entraves do cultivo intensivo de pirarucu. “Por isso, há necessidade de melhorias durante a alevinagem do pirarucu, usando por exemplo suplementação na alimentação com imunoestimulantes, a exemplo do extrato de cipó-alho”, conclui.

 

O preparo
Uma grande vantagem do cipó-alho como insumo da ração para alevinos de pirarucu é a facilidade para o preparo do extrato. Primeiro, é preciso colher folhas frescas da planta, que é abundante na flora da região Amazônica. 

Dias explica que, no caso da pesquisa, as folhas foram trituradas em equipamentos laboratoriais para extração hidroalcoólica do produto, mas também podem ser maceradas em pilão (piladas) no ambiente doméstico e em pisciculturas. “Basta pilar bastante até ficarem bem trituradas. Para cada um grama de planta macerada coloca-se dez mililitros de álcool etílico a 70% (solvente). Essa mistura deve ser guardada por 12 horas em temperatura ambiente. É o tempo suficiente para o álcool retirar as propriedades de que precisamos dessas folhas, daí o extrato está quase pronto”, detalha o pesquisador. 

O passo seguinte é filtrá-lo, em papel de filtro e, em seguida, misturá-lo à ração para peixes carnívoros, como o pirarucu. Uma alternativa é usar pano bem limpo e fino para coar o extrato. A ração deve ser seca por 24 horas em temperatura ambiente, e, depois, guardada no refrigerador a 4 graus Celsius. 

Gigante da Amazônia
Endêmico da Bacia Amazônica, o pirarucu é um peixe carnívoro que apresenta boas características para a criação intensiva, tem facilidade para se adaptar à ração e cresce rápido. Tão rápido que pode chegar a pesar entre sete e dez quilos no primeiro ano de cultivo, sendo conhecido também como o gigante da Amazônia. 

Além disso, tem um alto rendimento de filé: acima de 45%. As pesquisas apontam altos índices de aceitação no mercado consumidor. Mas esses diferenciais positivos não têm sido suficientes para colocar o pirarucu no topo da piscicultura nacional. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, há cerca de 3.246 pisciculturas de pirarucu distribuídas em todas as regiões do Brasil. Porém, a produção é baixa, quando comparada à de outras espécies nativas. Os estudos apontam como causas para a limitação as dificuldades de domínio da reprodução do pirarucu em cativeiro e doenças que causam grande mortalidade na primeira fase do cultivo, a alevinagem.  

Estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) indica que problemas sanitários também prejudicam o sucesso da produção desse peixe importante para a piscicultura brasileira e amazônica, pois as doenças podem ser responsáveis por significativas perdas econômicas, levando o produtor ao desestímulo na atividade de cultivo.

 

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